segunda-feira, 10 de outubro de 2011

Um dado importante sobre o Projeto de Lei do Novo Código Florestal Brasileiro

1. Prelúdio: o Processo Legislativo e a sociedade.

O foco da mídia, até algumas semanas atrás, estava todo voltado ao Projeto de Lei no. 1.876/1999, de autoria do Deputado Federal Sérgio Carvalho do PSDB de Rondônia: o Novo Código Florestal.

Em 24 de maio de 2011 foi aprovado na Câmara dos Deputados e seguiu para o Senado Federal, onde ainda vai ser votado para, se não houver mudanças (emendas), seguir para sanção ou veto (parcial ou total) Presidencial.

Esse é o Processo Legislativo Ordinário Constitucional Brasileiro, é assim que se constroem as Leis Ordinárias Brasileiras [1].

Sobre esse processo, de uma forma geral, antes que o Projeto de Lei vá à Casa Legislativa respectiva (Câmara ou Senado) para deliberações e votação, ele é discutido nas diversas comissões que fazem parte de cada uma delas.

As comissões contam com o apoio de servidores capacitados, com alto grau técnico.
É fundamental dizer que é um trabalho árduo, complexo e longo (dura anos) e que foge ao conhecimento da grande maioria de brasileiros.

A sociedade e demais entes federativos, em determinados casos, também participam dessa fase do Processo, ora, está a se falar da formação da lei, símbolo do Estado Democrático de Direito, construída pelos representantes populares, eleitos pelo povo (todo o Poder emana dele).

Paralelo ao procedimento interno do Congresso Nacional, a sociedade tende a se mobilizar de forma independente diante de determinados projetos, são ensaios, pareceres, artigos, reportagens, simpósios, seminários e, no caso específico do Projeto de Lei em foco, o que se vê são posições ora alarmistas, ora realistas, ora ruralistas, que tendem para lados opostos, o conservador e o liberal.

Neste caso, Parlamento Brasileiro está sob os olhares da imprensa e da sociedade civil.

Esse é o contexto da atual discussão, que merece uma ressalva.

Há de ser dito: artigos jurídicos sobre projetos de lei podem ser perda de energia.
O fato de não ter havido o fim do processo legislativo, faz da análise do texto ainda não publicado uma temeridade.

Se por um lado há esse risco, por outro é válido, proporcionalmente à relevância do tema, uma vez que traz aos olhos da sociedade tema discutido pela sua representação.

2. As Áreas de Preservação Permanente e o CONAMA.

Por uma questão de ordem cronológica, é importante reconhecer que a norma florestal federal em vigor, a Lei 4.771/65, necessita ser atualizada sim, mas, principalmente, com fixação de marco regulatório.

É uma verdade singela: nos últimos quase cinqüenta anos da vigência do Código Florestal (Lei Federal no. 4.771/65), o Poder Público falhou em por em prática as disposições do mesmo.

É de se reconhecer o incremento e os avanços da Administração Ambiental na última década, mas antes disso, de maneira geral, deixou de fazer o que lhe incumbia (art. 225, § 1º., VII da Constituição Federal).

Não muito longe, nos idos dos anos 70, derrubadas de extensões de mata, o corte de imensas árvores como marco do início de obras públicas se dava sob o testemunho de cerimônias políticas.

Aliás, se tem notícia [2] que o Governo Brasileiro, ainda naquela época, fomentava Projetos como o PRO-VARZEA, que visava o desmatamento de áreas ciliares com fins de agricultura, financiando, inclusive, seus insumos (que contaminam solo; água; etc.).

A questão cultural, do Administrador e do Administrado, também é um gargalo do processo, por isso a anistia [3] não pode parecer um absurdo jurídico, mas um dever, uma concessão de quem tem parcela nessa gama de culpas.

A fim de contextualizar o leitor, é importante definir o que são as áreas de preservação permanente.

Trata-se de áreas genericamente definidas por lei ou atos do Poder Público [4], que têm o uso restrito ou intervenção impossibilitada, tudo com fim de manter “a função ambiental de preservar os recursos hídricos, a paisagem, a estabilidade geológica, a biodiversidade, o fluxo gênico de fauna e flora, proteger o solo e assegurar o bem-estar das populações humanas.”, conforme definido no Código Florestal.

Alguns exemplos dos gêneros previstos em Lei são: “as bordas dos tabuleiros ou chapadas, a partir da linha de ruptura do relevo, em faixa nunca inferior a 100 (cem) metros em projeções horizontais; topo de morros, montes, montanhas e serras; nas restingas, como fixadoras de dunas ou estabilizadoras de mangues; ao longo dos rios ou de qualquer curso d'água desde o seu nível mais alto em faixa marginal cuja largura mínima será de 30 (trinta) metros para os cursos d'água de menos de 10 (dez) metros de largura;” entre outras.

A Lei protege e define essas áreas, mas também prevê hipóteses de exceção, em que haverá possibilidade do seu uso, com fins específicos.

É o que se extrai do artigo 4º. do Código Florestal, que define e atribui competências para definição dessas hipóteses, de forma genérica.

A Norma estabelece que as intervenções somente poderão ocorrer nos casos “de utilidade pública ou de interesse social, devidamente caracterizados e motivados em procedimento administrativo próprio [5], quando inexistir alternativa técnica e locacional ao empreendimento proposto.”

Entre alguns exemplos de atividade de utilidade pública estão, predominantemente, obras de infra-estrutura.

Em 2006, o Conselho Nacional do Meio Ambiente – CONAMA, o órgão consultivo e deliberativo, colegiado do Ministério do Meio Ambiente (MMA), com representações públicas e privadas, que compreende, principalmente, o conhecimento técnico-ambiental (arts. 6º, II da Lei 6.938/81 e arts. 3º, II e 5º e 6º do Decreto nº 99.274/90), estabeleceu parâmetros mais objetivos e claros sobre o que seriam atividades de utilidade pública; interesse social e baixo impacto ambiental [6].

As definições do CONAMA obedeceram (e seguem) a intensa discussão plenária, de ordem técnica.

Aliás, citando um trabalho de grande relevância do órgão, foi através da Resolução CONAMA no. 237/1997 que o procedimento de Licenciamento Ambiental, previsto desde 1981, na Política Nacional de Meio Ambiente, enfim, ganhou definições claras e efetividade.

Dentro desse contexto, o celebrado autor Edis Milaré, ao comentar sobre a Política supra, aduz que o CONAMA, “órgão superior do Sistema Nacional do Meio Ambiente- SISNAMA, tem editado normas importantes em matéria ambiental” [7].

E vai além: “é certo que se esboça um início de Política Ambiental, mas apenas limitada à observância das normas técnicas editadas pelo CONAMA.” [8].

Desta forma, está devidamente demonstrado que o CONAMA é órgão regulamentador de um sistema que se busca fortalecer [9] e que, por isso, possui importante papel na execução de Política Pública Nacional, a de Meio Ambiente.

Há quem questione o poder regulamentar do CONAMA [10], justamente fundamentado no Estado Democrático de Direito e no Princípio da Legalidade, uma vez que ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer em virtude de lei (remeto-lhes aos conceitos de formação da Lei stricto sensu trazidos, unt passant, no início deste despretensioso artigo.

O entendimento é respeitável e aplicável, principalmente quando o CONAMA limita Direitos de Pessoas Físicas e Jurídicas, do Direito Público ou Privado.

Contudo, é impossível não reconhecer sua importância em definir parâmetros para a Administração Ambiental, sem os quais, ela não evoluiria.

3. O que o Projeto do Novo Código Florestal
dispõe sobre o acima sustentado.

A Câmara dos deputados dá a seguinte notícia sobre a regulamentação do assunto acima tratado:

“As hipóteses de uso do solo para atividade de utilidade pública, interesse social ou de baixo impacto serão previstas em lei e, em todos os casos, deverão ser observados critérios técnicos de conservação do solo e da água.” [11].

No Projeto de Lei há o artigo 8º., que assim dispõe:

Art. 8º A intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente e a manutenção de atividades consolidadas até 22 de julho de 2008 ocorrerão nas hipóteses de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto ambiental previstas em lei, bem como nas atividades agrossilvopastoris, ecoturismo e turismo rural, observado o disposto no § 3º.

Ora, na leitura sistematizada dos trechos acima, fica claro que as hipóteses de intervenção ou supressão de vegetação em Área de Preservação Permanente, para o caso de atividades de utilidade pública, de interesse social ou de baixo impacto, ainda serão definidas em futura lei.

Será definido por Lei, e não por uma Resolução do CONAMA.

O que se vê com isso é que grande parte do que está disposto pelo atual Código Florestal (que será revogado pelo Novo, na íntegra, conforme se vê do art. 69 do PL), e também pelo CONAMA, acerca atividades de utilidade pública, interesse social ou de baixo impacto, será sumariamente revogado e somente estará previsto em uma legislação futura.

Com a simples sanção do Projeto de Lei do Novo Código Florestal, todos os parâmetros definidos, com muito custo, serão extirpados do ordenamento jurídico nacional.

Restará uma lacuna, uma indefinição contraproducente, e a solução ficará a mercê da produção do legislador, que é demorada por questões técnicas (pois o tema assim é) e políticas.

Haverá aí, grande esvaziamento do árduo trabalho do CONAMA e o surgimento de um vácuo legal que o setor produtivo, e também o público, pode começar a temer.

Se nada for feito para impedir essa disposição no Projeto de Lei do Novo Código Florestal, se teme que o procedimento de licenciamento fique sem definições claras para ser balizado e, assim, por certo, será ainda mais moroso, talvez, infindável.

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[1] Como já foi dito em outra oportunidade (Revista ABPv no. V), as diversas espécies de normas que compõem o sistema jurídico são hierarquizadas e, como citei o Procedimento Legislativo Ordinário, deve ser dito que há outras espécies de lei previstas Constitucionalmente, e que seguem Rito Legislativo Qualificado, com maior exegese quanto a quórum e trâmite entre as Casas, como são os casos de Emendas à Constituição Federal e Lei Complementares – daí a hierarquia entre elas.
No Procedimento Legislativo Sumário, por exemplo, há prazo para que o Congresso e o Senado (45 dias para cada) aprove Projetos de Lei e de iniciativa Presidencial (art. 64 da CRFB/88).

[2] “APP em área urbana consolidada.” MIRANDA, Anaiza Helena Malhardes. Boletim Eletrônico, Irib, Ano VIII. São Paulo, 23 de janeiro de 2008.

[3] Para explicar esse tema que não será tratado neste breve ensaio, convém trazer à baila notícia do site da Câmara dos Deputados, que fala por si só:

“Anistia e regularização
Dados do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) indicam a existência de cerca de 13 mil multas, com valor total de R$ 2,4 bilhões, até 22 de julho de 2008. A maior parte delas ocorreu por causa do desmatamento ilegal de APPs e de reserva legal em grandes propriedades da Amazônia Legal.
Os estados de Mato Grosso, Pará, Rondônia e Amazonas respondem por 85% do valor das multas aplicadas até julho de 2008 e ainda não pagas.
Para fazer jus ao perdão das multas e dos crimes ao meio ambiente cometidos, segundo o projeto aprovado, o proprietário rural deverá aderir ao Programa de Regularização Ambiental (PRA), a ser instituído pela União e pelos estados.
Os interessados terão um ano para aderir, mas esse prazo só começará a contar a partir da criação do Cadastro Ambiental Rural (CAR), o que deverá ocorrer em até 90 dias da publicação da futura lei. Todos os imóveis rurais deverão se cadastrar.” (fonte: fonte).

[4] Remeto-lhes aos artigos 2º. e 3º. do atual Código Florestal e as Resoluções CONAMA nos. 302 e 303, ambas de 2002.

[5] Pode haver interpretação excessivamente burocrática nesse trecho da lei, uma vez que, para tal intervenção basta que esteja motivada por pareceres objetivos, no respectivo procedimento administrativo de licenciamento ambiental, e não num rito em apartado.

[6] O CONAMA deixou as portas abertas para que os entes federativos que detém Conselhos de Meio Ambiente, definam o que seria uma atividade de baixo impacto (Res. CONAMA no. 369/2006, art. 11, XI).

[7] Direito do Ambiente, São Paulo: RT, 2004, p. 392.

[8] Ibidem.

[9] leia no site do MMA.

[10] Eis um exemplo.

[11] Eis o site da Câmara dos Deputados.

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