quinta-feira, 14 de abril de 2011

Precaução, um princípio inócuo?

O Sistema Jurídico, assim o é, em função da necessidade ontológica de funcionar de forma harmônica.

Nada deveria se confrontar. As espécies das diversas escalas hierárquicas dos atos normativos não deveriam, em tese, se contradizer.

Nesse contexto, localizam-se princípios constitucionais e outros que regem o sistema jurídico, inclusive, não explícitos em lei.

Os princípios, então, num enfoque eminentemente jurídico, são espécies normativas que detêm primazia em relação a outras.

Nesse ponto, objetivamente, o Professor de Direito Administrativo e Constitucional, Celso Antônio Bandeira de Mello ensina de forma definitiva que:

“Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. A desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo o sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade ou inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio atingido, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais, contumélia irremissível a seu arcabouço lógico e corrosão de sua estrutura mestra.” (MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 12 edição, 2000. P. 747-748).

O que se quis demonstrar até aqui, principalmente para o leitor pouco habituado com o Direito, é que no Sistema Jurídico há hierarquia que dá parâmetros para: o aplicador da lei; o legislador e executor dos atos administrativos (Judiciário; Legislativo e Executivo) para atuar, inclusive, quando a lei não tenha previsto casos objetos de decisão.

Um exemplo do princípio como balizador de atos, ainda para os que não se dedicam aos estudos jurídicos, seria um projeto de lei (em trâmite no Legislativo Federal) ou um Decreto Municipal (ato do Prefeito) que determinasse que os auxílios-alimentação de determinado grupo de servidores fosse diferençado entre homens e mulheres, sob o pretexto de que as pessoas de sexo masculino precisam de mais alimento para satisfazerem suas necessidades.

Sem dúvida que, nessa ilustração esdrúxula, haveria uma inconstitucionalidade material por ofensa ao princípio da igualdade (art. 5º., caput, da CF/88).

Em relação ao Direito Ambiental, a Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/1981) define os princípios que regem a administração ambiental no Brasil, mas não havia previsto um princípio já há muito proclamado no meio doutrinário: o da precaução.

Perceba leitor, e o remeto ao início do texto: o princípio da precaução, até a publicação da Política Nacional de Resíduos Sólidos (art. 6º, I da Lei 12.305/2010), era um princípio implícito, não expresso na Legislação Ordinária Federal, mas, mesmo assim, sempre foi considerado.

Pois bem, o referido princípio impõe ao administrador o dever de não autorizar empreendimentos dos quais não se tenha pleno conhecimento sobre riscos e danos que possam gerar. Mas, em verdade, e aqui vai uma opinião pessoal, nem os riscos conhecidos têm conseqüências previsíveis [1].

Feita essa definição, voltemos os olhos para fatos.

Os fatos abaixo são relacionados à infra-estrutura nacional que retratam de forma concreta o princípio que aqui se faz breve explanação, vamos a eles.

Está em evidência a construção da Usina Hidroelétrica de Belo Monte, no Rio Xingu, no Pará, envolta em polêmicas judiciais e internacionais [2].

Ressalvo que não opino sobre o mérito do empreendimento, mas, tão só, utilizo-a como exemplo da aplicabilidade do princípio.

Há uma guerra de liminares que, ou impedem o licenciamento do empreendimento, ou permitem.

Em liminar de abril de 2010, o magistrado da Justiça Federal do Pará fundamentou sua decisão, justamente, no Princípio da Precaução, alegando que o EIA/RIMA (Estudo de Impacto Ambiental e respectivo Relatório) do processo de licenciamento seria inconsistente, no que refere aos impactos do empreendimento.

É uma batalha entre a Advocacia Geral da União e o Ministério Público Federal e ONGs.
O fato é que a licença de instalação do empreendimento já foi concedida pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – IBAMA.

É importante fazer uma reflexão que, repito, não me faz contrário ou favorável ao empreendimento, até mesmo por desconhecer os exatos termos do procedimento de licenciamento.

Como se sabe, o recente desastre natural ocorrido no Japão pôs o país em alerta máximo de risco nuclear, em virtude dos danos na Usina Atômica de Fukushima. Lamentamos e nos solidarizamos a respeito.

Primeiramente, é bom advertir que o Princípio da Precaução é de alcance mundial, sua idéia está presente em diversos tratados internacionais [3], logo, é premissa (ao menos deveria ser) de toda e qualquer instalação potencialmente degradadora, em todo o mundo.

Logo, não se diga que não é aplicável à realidade japonesa.

Tampouco, se diga que a Usina começou a ser construída em 1967, e que, àquela época, não se fazia exigências ambientais tão rigorosas, porque, se ela operou até antes do desastre, sempre esteve sujeita a controle ambiental.

O fato que quero chamar a atenção é que sempre se soube que no Japão há intensa atividade sismológica, como é que se permite, então, com o perdão da pergunta retórica, a instalação e mantença de empreendimento de alto risco naquele país?

Onde anda a Precaução?

Ë fato que o Japão é um dos países mais desenvolvidos do mundo, inclusive no campo tecnológico por isso, mais uma vez indago, será que todo o risco é sempre conhecido antes da instalação de um empreendimento?

Fukushima é a prova de fato de que não há esse conhecimento.

Esse tipo de constatação deixa a Precaução (para alguns, a Prevenção), em posição delicada, pois o fato é que todos os riscos jamais serão conhecidos antes da instalação de um empreendimento.

Isso é humanamente impossível.

Evidente que não se deve, com isso, paralisar todos os empreendimentos ou engessar a sociedade, aliás, isso já foi dito em julgado do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (Proc. 0401016742, DJU 02.09.98) que “toda atividade humana pode causar danos ao meio ambiente; não há ‘poluição zero’, de forma que a idéia de natureza intocada é um mito moderno”.

Muito pelo contrário, o fato de não se haver certeza técnica das conseqüências de determinado empreendimento (Princípio da Precaução) deve ser razão para o aprofundamento dos estudos sobre o mesmo, não para sua negativa definitiva.
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[1] Estaria aí a diferença entre os Princípios da Prevenção e Precaução. Enquanto aquele dá conta dos riscos conhecidos, este, dos desconhecidos. Entendo, em verdade, que um complementa o outro e que os riscos de danos, em verdade, nunca são totalmente conhecidos, mesmo que se trate de uma atividade licenciada com certa freqüência.

[2] Como foi amplamente divulgado pelos meios de imprensa, a Organização dos Estados Americanos pediu, em 05 de abril de 2001, que o Brasil paralisasse e o processo de licenciamento da Hidrelétrica de Belo Monte, por razões relacionadas à Direitos Humanos dos Indígenas, não essencialmente Ambientais, mas que compõe uma avaliação do meio antrópico, que também é feita em um EIA/RIMA. Há aí princípios fundamentais envolvidos, como o da dignidade da pessoa humana, mas não o da precaução. O Governo Brasileiro reagiu com perplexidade.

[3] Um exemplo é que é o Princípio No. 15 da Declaração do Rio (ECO/92), antes disso, Paulo Afonso Leme Machado, em “Direito Ambiental Brasileiro” (16ª Edição, Malheiros Editores, p. 65), ensina que esse princípio já está previsto no Direito Alemão desde os anos 1970.